15 de jul. de 2011

Os colunistas d'O BULE entrevistam Luiz Ruffato


Luiz Ruffato (Cataguases-MG, fevereiro de 1961) é formado em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, exerceu jornalismo em São Paulo. Mas, antes, foi pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, jornalista, sócio de assessoria de imprensa, gerente de lanchonete, vendedor de livros autônomo. Ganhou os prêmios APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional com o romance Eles Eram Muitos Cavalos (2001). Este livro foi publicado também na Itália (Bevino Editore, 2003), França (Métailié, 2005), Portugal (Quadrante, 2006) e Argentina (Eterna Cadencia, 2010). Em 2005, iniciou a série Inferno provisório, projetada para cinco volumes, dos quais quatro já publicados: Mamma, son tanto felice e O mundo inimigo (ambos premiados pela APCA), Vista parcial da noite (Prêmio Jabuti) e O livro das impossibilidades. Mamma, son tanto felice foi publicado na França (Métailié, 2007) e está no prelo no México (Elephas, 2011) e O mundo inimigo também saiu na França (Métailié, 2010). Em 2009 lançou Estive em Lisboa e lembrei de você, também publicado em Portugal (Quetzal, 2010), Itália (La Nuova Frontiera, 2011) e no prelo na Argentina (Eterna Cadencia, 2011).


MARCIA BARBIERI – Harold Bloom em O Cânone Ocidental afirmou: "O texto está aí não para dar prazer, mas o elevado desprazer ou prazer mais difícil que um texto menor não dará." Isso me parece que traduz um pouco da sua literatura. Você concorda?

LUIZ RUFFATO – Sim. Creio que só quando se estabelece um diálogo inteligente entre o leitor e o texto é que a literatura faz sentido. Um texto raso não provocará no leitor o prazer da descoberta. Um texto tem que proporcionar uma ultrapassagem do tempo e do espaço do leitor.


MARCIA BARBIERI E RODRIGO NOVAES DE ALMEIDA – Harold Bloom fala sobre a angústia da influência. Recentemente Alcir Pécora afirmou que no Brasil existe o orgulho da influência. E você sente angústia ou orgulho de suas influências? Quais são elas?

LUIZ RUFFATO – Sinceramente, não creio que sinta nem uma nem outra. Não creio em influência, mas em diálogo. Gosto de pensar que quando escrevo estou, na verdade, apenas mergulhando na água da tradição, banhando-me em tudo que já foi feito antes de mim e portanto me contaminando de tudo, sem que isso seja um fardo ou um troféu.


Geraldo Lima – “Não sei se li um romance ou novela, se contos, registros ou espantos...” É assim que Fanny Abramovich começa o texto da orelha do livro Eles eram muitos cavalos. Creio que seja esta também a impressão de todos os leitores ao lerem esse livro. Ruffato, a intenção foi esta mesmo: compor um livro onde a fronteira entre os gêneros praticamente desaparece? E você considera que foi boa a recepção do público e da crítica a essa sua obra?

LUIZ RUFFATO – Eles eram muitos cavalos é uma instalação literária, portanto, uma experiência de prosa de ficção antropofágica, que se alimenta de várias outras linguagens para compor um mosaico. Não posso reclamar da recepção deste livro. Do ponto de vista comercial, ele está hoje na sétima edição (além de contar com uma edição de bolso) e pode ser lido em Portugal, França, Itália e no mundo hispânico, além de ter tido mais de 60% traduzido e publicado numa revista polonesa. Do ponto de vista acadêmico, há defendidas 21 teses de mestrado ou doutorado, que têm como ponto principal este livro.

Geraldo Lima Você participou da polêmica antologia Geração 90: manuscritos de computador, organizada pelo escritor Nelson de Oliveira. Você se considera um expoente da Geração 90? Ao escrever sobre essa antologia, o editor Paulo Werneck disse que “Para ter verdade crítica, uma antologia deve identificar movimentos, vetores, sensibilidades compartilhadas por um grupo”. Você concorda com ele?

LUIZ RUFFATO – Este termo (porque não é um conceito) foi criado em reuniões que mantínhamos todos os sábados por alguns anos numa livraria na Vila Madalena. Uma bela jogada de marketing, que proporcionou visibilidade a um grupo que não tinha nenhuma. Mas ali não estão representados movimentos ou linhas estéticas definidas, mas vários caminhos individuais. A Geração 90 é um dado etário, não um posicionamento estético ou ideológico.


Geraldo Lima e rodrigo novaes de almeida – Ainda sobre Eles eram muitos cavalos: Você poderia falar sobre o processo de criação do livro? Os textos foram sendo escritos aleatoriamente ou sua composição obedeceu a um plano traçado e seguido rigidamente?

LUIZ RUFFATO – O livro foi composto, como todos os meus livros, dentro um plano geral. Ou seja, eu sabia, de antemão, o que queria e quais os efeitos que gostaria de provocar no leitor. Mas, na fatura, não entra a rigidez, mas o acaso. Ou seja, há um plano geral a ser seguido, mas com caminhos alternativos, opções não pensadas, etc.


ROGERS SILVA – A viúva Simões, Memórias de Marta, A Silveirinha, O modelo das donzelas..., Dedicação a uma amiga, D. Narcisa do Vilar, A filha de Jephte, Aurélia, Lésbia, Angélica, My lady, Celeste, A divorciada, A rainha do ignoto, Alcione, A viúva Barros, O romance de Áurea, Alice, A filha do artista, Nhô-nhô Resende, Gritos femininos, Virgindade inútil. Novela de uma revoltada, Sua Excelência, a presidente da República no ano 2500, A mensageira, Lucrécia: esses são alguns títulos de obras de várias escritoras brasileiras citadas por você na Apresentação (Mulheres: contribuição para a história literária) da coletânea 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira. Você acredita que um dos motivos da literatura escrita por mulheres ser menos reconhecida do que a escrita por homens é a indiferença (ou inaptidão) delas em escrever sobre o universo masculino e, em conseqüência, agradar a gregos e troianos, ou seja, homens e mulheres?

LUIZ RUFFATO – Não acho que exista uma literatura masculina ou feminina, ou ainda literatura gay, negra, marginal etc e etc. Acho que existe Literatura, com L maiúsculo. Dentro da Literatura, há homens e mulheres escrevendo – a literatura de qualidade prescinde de orientação sexual, coloração de pele, classe social, etc. Ela é.

ROGERS SILVA – Escolher, para participação de uma mesma coletânea, Clara Averbuck, com um conto – a meu ver – de qualidade literária bastante questionável, e Cecília Costa e Claudia Lage (dentre outras), com contos – a meu ver – quase umas obras-primas, foi uma escolha pessoal ou uma pressão de mercado ou editorial, uma vez que Clara Averbuck na época da organização da coletânea estava em alta tanto na internet quanto na mídia de uma forma geral?

LUIZ RUFFATO – A seleção das 55 mulheres obedeceu a único critério, exposto na introdução do primeiro volume: a representatividade. Ou seja, escolhi nomes que de alguma maneira representavam algo para além da literatura. Por isso, todas as regiões do país estão representadas (menos o Norte) e também os vários nichos de divulgação (Internet, jornais, etc). Portanto, não levei em consideração a qualidade literária e muito menos o gosto pessoal. E concordo com você: há nos dois volumes contos que beiram à obra-prima e outros que são fracos. Cabe ao leitor encontrá-los...


Ricardo Novais – Em Amores Expressos, Serginho é um personagem em essência desenganado, desiludido com a hostilidade da vida, e que vai para Portugal em busca de alguma redenção. Por que a escolha daquele país para figurar como panorama de uma história tão densa e exasperada? Você acha que o cidadão brasileiro, talvez em muito produto de nossas primordiais e íntimas relações vindas do além-mar (em especial da “metrópole portuguesa”), carrega ainda hoje o mesmo fardo de esperança e deslumbre com o velho mundo?

LUIZ RUFFATO – O Estive em Lisboa e lembrei de você faz parte do meu projeto literário de representar a classe média baixa, com seus desejos e aspirações, como venho fazendo nos volume dedicados ao Inferno provisório. No caso, acompanhei um personagem até Portugal, que é (foi) um destino privilegiado para brasileiros que achavam que poderiam ascender socialmente trabalhando no exterior. Neste caso, a Europa não representa no imaginário o continente culto e civilizado, mas o lugar da oportunidades.

Ricardo Novais – Você se declara escritor profissional, talvez por sua formação jornalística. Qual é a fronteira conceitual, e sobretudo o limite criativo, entre um texto profissional jornalístico e um texto profissional literário?

LUIZ RUFFATO – São apenas diferentes formas de compreensão do mundo. O texto jornalístico é radicalmente amparado na realidade imediata e o texto literário aspira a uma transcendência.


CLAUDIO PARREIRA – Em seu livro Histórias de Remorsos e Rancores, de 1998, a temática urbana, do trabalhador urbano, já estava presente em sua obra — e ainda hoje faz parte do seu universo. Isso se deve à sua própria história, uma vez que já atuou em diversas áreas?

LUIZ RUFFATO – Sem dúvida. Quando comecei a escrever, queria representar um universo pouco ou nada presente nas páginas dos livros brasileiros. Como venho de uma família pobre, de operários, e como trabalhei como operário (têxtil e como torneiro-mecânico), escrevo preferencialmente sobre esse mundo, o do trabalhador urbano.

CLAUDIO PARREIRA – O que você pode adiantar aos leitores d’O BULE em relação aos projetos da Editora Babel, recém-chegada ao Brasil?

LUIZ RUFFATO – Sou curador do catálogo brasileiro da editora. Não conheço como será a atuação da editora como um todo. Em termos de literatura brasileira, a idéia é lançar autores preferencialmente inéditos e construir uma biblioteca de clássicos.

CLAUDIO PARREIRA – Em 2009 estivemos presentes no mesmo evento em Paraty, na Off Flip. Lembro que falamos sob chuva, num restaurante, para uma platéia bem heterogênea. O Rufatto de então mudou muito em relação ao de hoje?

LUIZ RUFFATO – Eu sou escritor profissional há oito anos, desde 2003, e neste período cada vez mais me tenho enfronhado na realidade brasileira, viajando pelo país todo. Eu mudei claro, porque temos que mudar. Mas espero que para melhor...