16 de mar. de 2011

Juca Brasil, herói particular – Parte III

Juca Brasil acolá

Por Ricardo Novais

As semanas ociosas são esplêndidas. Quando a semana é produtiva tudo é ruidoso, ornamentado, aborrecível, estressante. Uma semana ociosa bate à porta de um super-herói acovardada, cabisbaixa, com o rabo entre as pernas.

- Boa tarde! Tenho pouco a dar, trago os bolsos vazios; mas já ouvi falar muito do senhor...

- Juca Brasil, às ordens!

- Sim, claro; o maior vulto deste país! Conheço o senhor demais da conta; sô! Muito prazer, meu nome é Bonifácio.

- Que quer, my Boni?

- Bem; cá não tenho dinheiro, lá também não o tenho muito, mas...

- De onde o senhor vem mesmo?

- Das montanhas...

- Gente boa, um montanhês! Ora, ora. Mas, veja bem, senhor montanhês; deve compreender que na cidade grande tudo depende de fundos... Não é mesmo?

- Oh, sim, claro. Mas não é pra cá que preciso, é acolá, Juca.

Bonifácio e eu ficamos conversando durante uma hora e acordamos que iríamos à Minas salvar-lhe o boi de estimação da fúria megalomaníaca de grande produtor de gado da região das montanhas de acolá. Sim, porque a paisagem mineira é cheia de acolá... Mal chegamos à capital montanhesa, desembarcamos em boteco trivial da Savassi. A noite terminou cedo, as seis da matina todos os perfumes femininos do mundo são sentidos na Praça da Estação.

Dormi, e já acordei na vila de Santo Antônio do Tabuleiro. O boi, que era meu ofício acudir, era pacífico e filantropo; pai do rosbife, rival da salada de... da salada verde. Vivia perto do matadouro; isto é, vivia perto da morte. E, não fosse as urgências do estomago que sempre me atacam, eu jamais tornaria a comer picanha ou contrafilé na vida.

Todos naquele arraial detestavam o boi, se este estivesse mal passado – naturalmente. Não tendo o boi o uso da palavra, olhou então melancolicamente para a vaca; a vaca olhou para as montanhas; as montanhas olharam para o Mato Grosso; o Mato Grosso quis olhar para o Paraguai, mas desistiu a tempo percebendo mal negócio.

O leitor imagina que ocorreu o leilão do pobre animal? E ocorreu mesmo. Ê leitor sabido que é danado! Exatamente. Veio o grande produtor rural, e depois chegaram as defesas do boi. Dois burros intercederam pelo primo distante. Conversavam entre eles, eu entendi o que diziam porque conheço um pouco a linguagem houynhnms, aquela de Swift's.

Não fique pasmado, caro amigo que lê minhas aventuras bucólicas; este era meu ofício, apenas isto, nada mais: traduzir a ideia dos burros para o homem de dinheiro. De fato, trabalho pouco digno de super-herói, entretanto, é trabalho para poderes especiais; este foi o caso.

Agora entende por que aceitei trabalho tão mirrado, companheiro urbano? O dinheiro era pouco, mas o trabalho era moleza – além de ser sempre bom reconhecer as velhas montanhas, as novas donzelas montanhas e seus quitutes das montanhas... Tudo sob a benção do próprio Deus ou do capeta, que lá se chama Juquinha. Contudo, os burros nem sempre fazem jus a fama que carregam. Os dois asnos se empenharam tanto no caso que livraram o amigo boi do matadouro, e foi por uma questão:

- O senhor mata o gado por princípio ou porque o Bonifácio andou ciscando no terreiro de sua senhora? – repeti esta pergunta, dando aspecto mais que humano a tese dos burros, ao homem da fazenda, que, menos sábio que os antagonistas, tartamudeou, tartamudeou e nada respondeu.

E assim foi dado vivo o boi que já era morto.

O boi mugiu, os burros apenas olharam-se entre si sem dar palavra – princípio básico da sabedoria na vitória. Bonifácio, meu cliente a salvo, ficou feliz por demais, saldou-me com cartão de crédito do Governo, e depois deixei as montanhas com certo pesar no coração. Que é a saudade senão uma página cinza relembrando os dias cintilantes, não é mesmo? Ao herói há ofícios que se transformam em surpreendente e agradável turismo.

***

* Não perca, no dia 02 de abril, a próxima aventura do maior herói dentre todos os super-heróis do mundo, o nosso Juca Brasil! Bons dias e boas noites. Um abraço, e adeus.