31 de mar. de 2011

Em mal traçadas linhas

Por Munique Duarte
-
Aflita, rasgou uma folha de caderno ao meio e pegou uma caneta com propaganda de extrato de tomate. Escreveu rapidamente o que lhe afligia, então, em linhas e mais linhas, tentando ser impactante e sucinta. Escrevia e se arrependia, escrevia e se arrependia, mas a escrita não parava para respirar. Tudo passado a limpo, ela diminuiu a folha em várias e várias dobras e com muito custo enfiou o papel embaixo da porta do 106. Ai, meu Deus! Agora estava tudo feito, sem mais volta.
-
Voltou para o seu apartamento, pegou o casaco e a bolsa e saiu de casa a ponto de ficar louca. Andava depressa como se estivesse sendo perseguida. Olhava para trás como se fosse bandida. Quase chorava como se fosse uma adolescente imbecil.
-
Enfim, o metrô. Desceu as escadarias e se sentou em qualquer banco. O coração estava aos saltos. Ele não tinha o hábito de acordar cedo. Ela deveria ter escrito o bilhete à tarde. Para curar a aflição, ela se pôs em aflição elevada a quinta potência. Para acalmar os nervos comprou uma garrafa de água na vending machine. E olhava o chegar e o partir de todos os trens. Não iria a destino algum. Ficaria debaixo da terra, como avestruz que enterrou o corpo inteiro, esperando sofrer de vergonha, alívio ou arrependimento ao saber que alguém leu seu bilhete desabafoso. "E agora? O que ele irá pensar de mim? Que será de nós dois daqui em diante?", pensava sem nem ao menos ter aberto a garrafa.
-
Ele realmente não tinha o hábito de acordar cedo. Ainda estava debaixo de dois edredons, enquanto uma loira esguia e de cabelos curtíssimos estava em um demorado banho. Ensaboava e depois lavava, ensaboava e depois lavava, pelo menos umas quatro vezes. Mania? Pode ser. E enquanto ele roncava ainda por horas e mais horas, ela ajeitava as almofadas, recolhia os copos e começava a varrer todos os cantos do apartamento. Ouvia música no fone de ouvido e colocava na pá tudo o que não pertencia ao chão. Cantarolava e estava disposta a deixar tudo um brinco. E continuava varrendo e colocando na pá toco de cigarro, papel de bala, papel rasgado e papel dobrado.
-
Munique Duarte - Nascida e vivendo (sempre!) em Santos Dumont-MG. É jornalista responsável das publicações dos sindicatos dos carteiros e dos auxiliares de ensino privado de Juiz de Fora. Formada pela UFJF, musicista, trilingue, viajante cosmopolita, mineiríssima de tantos causos. À espera de escrever um livro e ter um filho. (Um dia desses, planta uma árvore!). Bloga em http://textosimperdoaveis.blogspot.com. Admiradora da vida e de Dalton Trevisan.