9 de mar. de 2011

e-Oficina para novos escritores: A hora de cair dentro

Por Paula Cajaty

Sente-se, com um papel ou um computador, e comece.

É simples assim. Encontrar um lugar, encontrar um horário, dentro de suas possibilidades, usando o que existe ao seu alcance: até Safo e Aristóteles escreviam.

No entanto, há que discernir e organizar os diversos tipos textuais: você escreverá para si mesmo, escreverá para os outros, e escreverá a obra que você sente necessidade de compartilhar com o mundo, que é a sua urgência. Mas essas são três instâncias completamente diferentes e que merecem ser tratadas de tal modo.

Carlos Drummond de Andrade elaborava seus livros de poesia, sim, mas isso não o impedia de escrever as suas crônicas diárias, além de outros textos que deixava guardados inéditos e cartas que trocava com seus contemporâneos. Cada escrito com sua finalidade.

E Drummond sequer tinha um blog ou um site, para testar e aprimorar seu trabalho, ou para sentir o retorno do público.
Vinícius de Moraes não encaminhava boletins, spams, newsletters, nada disso. Ele escrevia e guardava, até que achasse a hora e o meio adequado para publicar, fosse em livro, em música, ou num texto jornalístico qualquer.

Só aí, os escritores de hoje levam enorme vantagem, pois já têm uma grande ferramenta à disposição, não para incomodar os outros ou rechear a internet de assuntos de menor importância - muito embora vários se dediquem a isso - mas abriu-se um laboratório completo de desenvolvimento pessoal e profissional, que pode fazer a diferença entre um escritor bem-sucedido e outro nem tanto: são os blogs, sites e redes sociais. Muita gente que eu conheço (até eu mesma, afinal, a prática leva à perfeição) melhorou bastante por escrever religiosamente na internet, sejam emails de menor importância, sejam posts de crítica política.

Num segundo momento, após o ofício da escrita, é preciso adquirir um olhar crítico sobre o que se escreveu. E começar a cortar o que não presta. Esse será o primeiro crivo: a leitura do próprio autor. Se possível, em voz alta.

Júlio Dantas, um poeta português, afirmou com propriedade: "O que é mais difícil não é escrever muito; é dizer tudo, escrevendo pouco" e
Clarice Lispector, em sua genialidade singular, nos deu a medida do que deve ser cortado: "Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas".

Sim, o texto deve poder respirar, deve permitir ao leitor a surpresa, a curiosidade, a comiseração, a alegria. São os sentimentos que os leitores procuram. E isso não é feito com um texto explicado aos mínimos detalhes, exposto como uma mosca dissecada (e aí lembro o conto de Machado de Assis, "A mosca azul") pois, de tal forma, teríamos um trabalho acadêmico de não-ficção.

Deixe a desconstrução do texto a cargo de críticos, acadêmicos, jornalistas e estudiosos, e ocupe-se em aprimorar seu estilo, sua técnica, enquanto em paralelo se permita aprofundar em leituras e estudos sobre os assuntos de sua preferência.

Assim que puder reunir um bom número de textos e notar que já escreve com certa desenvoltura, de forma organizada e sistêmica, é hora de pô-los à prova. E seguir em frente, arriscando um novo passo.

Fique desavergonhado

Nesse ponto, sua casa já estará repleta de papéis rabiscados, e seu computador já avisando que a memória está cheia.

Chegou, então, a hora de mais alguém ler o que você escreve. Professores, consultores, outros colegas de escrita, além, é claro, de todos os seus amigos, colegas e familiares, que não vão escapar a essa sina.

Afinal, seu primo médico também conta as agruras do trabalho e dos plantões nas reuniões de família, não é? E seu cunhado advogado também ocupa seus ouvidos com os problemas dos clientes que não pagam, dos juízes que não julgam conforme suas expectativas... Pois é, chegou a sua vez de dar o troco!

Não se acanhe. Comece pelos mais próximos e vá perdendo a vergonha. Escute as críticas com graça e humildade. Aquele seu amigo chato que implica com um adjetivo aqui, uma frase ali, está lhe fazendo um favor, pode acreditar. Geralmente, o que acontece é justo o contrário: sua tia-avó vai achar que tudo o que você escreve é engraçado, doce e lindo (aliás, cuidado com a crítica complacente das madrinhas e tias-avós).

Bem, há quem não goste delas, mas oficinas literárias são excelentes para colocar seus textos à prova. Não vale ter vergonha de um fuzilamento de críticas, voltar para casa e desistir da ideia. Isso é coisa de criança, convenhamos. Lembre-se que haverá um professor para mediar os conflitos. E, se o professor odiar você, e você odiar o professor, minha sugestão é bastante óbvia: não continue com ele.

Ria de si mesmo. Ria das bobagens que você escreveu. Ria dos clichês, dos lugares-comuns. Ria exatamente como um ator ri quando esquece sua fala. Até a Disney já descobriu que todo mundo adora
erros de filmagem, ainda que se saiba que foram gravados propositalmente.

Ah, e não vale tentar explicar o que você quis dizer. A frase já diz: você quis dizer, mas não conseguiu dizer corretamente. Lembre-se que seu leitor não terá a mesma condescendência, nem a oportunidade de lhe ouvir. Ele apenas fechará o livro, largará de te ler no meio da sua palpitante história, do seu poema mais profundo. Fechará o livro com a mesma indiferença que desliga a televisão. Com o detalhe que o leitor não te dará segunda chance, porque não acredita que a programação vá melhorar.


>>> Leia o segundo texto da e-Oficina, Caindo na real - como esbarrar no que se chama 'a visão da obra, AQUI

Paula Cajaty - escritora, formada em Direito e em Publishing Management na FGV. Em parceria com sites, blogs, editoras e agências literárias, produz o Boletim Leituras para mais de 4 mil leitores, prestando serviços de leitura crítica, consultoria em marketing e produção editorial e literária através de seu site www.paulacajaty.com Autora de Afrodite in verso (7Letras, 2008) e Sexo, tempo e poesia (7Letras, 2010).