13 de fev. de 2011

País de não-leitores – Malagueta # 8

Por Ricardo Novais

Mario Vargas Llosa, consagrado escritor do nosso vizinho Peru, foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura recentemente. Entre os últimos dez premiados há três britânicos, dois da França, e a Alemanha, a Áustria, a Hungria, a África do Sul, a Turquia e o Peru venceram cada um uma vez. Na lista não há nenhum brasileiro, nem nesta e nem em nenhuma outra. Que vergonha! Ora! Mas o Brasil é um celeiro de escritores, então por que a literatura é quase uma arte moribunda entre nós?

Ora, ora, é simples; porque somos um país de não-leitores! Não é culpa do autor, nem dos editores – a culpa é tua, senhor leitor! Para as almas, não sei dizer se demasiadamente positivas, demasiadamente grosseiras, a literatura não passa de uma laia, de uma expressão social aplicada a certa classe de indivíduos cuja existência ela modifica vantajosamente por um lado e desfavoravelmente por outro. A literatura, para os espíritos vulgares, acaba aqui. A descrença é fenômeno alheio à vontade do leitor, a abstenção é propósito.

Cada escritor reflete naquele que o lê a sua prova de sombra e luz, de indiferença e de luta, de confiança e de decepção, e a sua procissão de princípios, de ideias novas, de novas ilusões; em cada um deles germinam as esperanças em dia bonito de sol, para depois amarelar e remoçar ainda ao fim de tarde. Ao passo que a literatura tem assim uma regularidade de calendário, faz-se a história da civilização, e o leitor, nu e desarmado, arma-se e reveste-se, construindo um barraco ou um palácio em sua imaginação, uma rude vila ou uma megalópole sem limites em seus anseios, criando a ciência pelas palavras do autor, que indaga outras ideias. É de fato a arte que envolve o padre, o mecânico, o filósofo, a dona-de-casa, a professora, o passageiro do trem metropolitano e da serra, percorrendo a face do globo, descendo ao ventre da terra, subindo aos ceús, colaborando assim com esta (letrada) obra enigmática e magnífica que é viver. A literatura tem mesmo um imperativo inesperado; e, quando melancólica, vive-a com desapego; noutros momentos, no entanto, agarra-se a ela em poltrona confortável, num lugar fresco, arejado, tranquilo e, sobretudo, jovial. É um estatuto dos diabos, embora seja da criação das próprias mãos de Deus.

E o leitor, inquieto e ao mesmo tempo distraído, lê, incrédulo, enfim, chegar ao dia presente vindo atrás dele os futuros da escrita. Ah, sublime! Os futuros literários vêm então, surgindo lépidos, vibrantes, vaidosos, cheios de si, um pouco difusos, verdade, mas atrevidos como o quê, sabedores de tudo, e, sendo tão ordinários, passarão assim outros menos esperançosos com a máxima celeridade – embora com resquícios do mesmo tédio. Não tem ideia do que falo? Vais continuar a contribuir para a ruína própria e de seu povo? Um dia, um dia saberás ler as linhas dos prêmios literários da mais alta constelação de escritores, fruto de nossa própria lavra rudimentar.

Talvez o leitor d’O Bule lastime não ver em todos esses encaixes de recreios o café fresco e outros atrativos de megastore; mas basta tão-somente não confiar no homem que escreve, em nenhum deles (nem nos desta página), não amar tanto a vida e nem ter esperança n’alguma bem-aventurança do além-mundo – satisfaça-se apenas em saber que escrever é infinito, caro não-leitor.