16 de fev. de 2011

Juca Brasil, herói particular – Início

Por Ricardo Novais

JUCA BRASIL é a nova série que estreia n'O BULE. O personagem é um herói brasileiro, muito humano, que percorre todo o país prestando auxílio aos que necessitam de conforto de toda ordem e categoria.

Sugiro que o leitor procure uma poltrona confortável, num lugar fresco, arejado e sobretudo tranquilo para acompanhar as aventuras de alguém com poder para salvar todo um povo, mas que mal consegue abotoar a própria capa de super-herói. Deve também deixar percorrer o livre pensar, escapando às rotas e aos nexos previsíveis; sobressairão às linhas a seguir os devaneios do acaso. Atribua-se o antagonismo do personagem que dá nome à série ao imponderável, meu caro amigo e minha querida amiga!

Da discussão das verbas públicas, JUCA BRASIL, ofício de super-herói brasileiro, poderá saltar para o pudor do estômago, e ainda divagar sobre a inconveniência de jantar ou sobre o difícil julgamento de réus. Tudo é inesperado. E tudo é conduzido e feito pelo nosso Juca com jeitinho, brasileiro, para se discutir a política ou o futebol como numa conversa de botequim entre amigos, ou para ainda conhecer melhor as pessoas que nos cercam e que nos provocam, e até ciscar um pouquinho questões filosóficas, sem ferir a normalidade dos fatos, tão necessária ao funcionamento desta sociedade.

Eis a primeira aventura de um legítimo e, às vezes, ao mesmo tempo duvidoso super-herói brasileiro que atende em sala-da-justiça particular; boa aventura!

***

Juca Brasil perseguindo Deus

Meu nome não é Juca Brasil, como imagina o leitor. Juca Brasil é meu ofício; minha profissão, por assim dizer. Sou contratado do escritório da salvação. Salvação alheia! A minha empresa trabalha com a excelência em caridade. Por hora sou funcionário solitário, assim como todo herói. Precisa de socorro? Contate-me, vou à tua cidade e lhe dou um afago, uma conversa de fé, empresto dinheiro, a juro, ou faço outra atividade previamente definida. Mais à frente tenho o desejo de instalar neste ambiente um call-center de super-heróis; mais à frente...

Não rias, leitor incrédulo! Não imaginas o tanto de pedidos de salvação que recebo dos carentes de todo o país, e que tipos de solicitações me fazem atender... – sempre com honorários antecipados e passagem aérea na melhor classe econômica.

Semana passada mesmo eu fui atender ao pedido de uma senhora velha da alta classe de uma cidade glamorosa das capas de revista. Embora o ofício não fosse tão difícil, apagar o fogo de viúva velha, este mister fugiu um pouco do intuito de herói de caridade. Agora devo repreendê-la, amiga leitora; não sejas maldosa! A viúva que socorri era senhora totalmente evangélica, embora os seios fossem fartos, ela não dava fresta alguma. Entretanto, às vezes tudo na vida é a visão de seios fartos... E isto ela tinha a me rogar auxílio imperioso:

- Que quer, dona?

- O senhor!

- Eu?

- Não caçoe, Juca. O Senhor é Deus!

“Cada maluco”, pensei. A coroa, carioca da gema, queria que eu encontrasse Deus para ela. Assim, quando desci ao saguão do hotel e vi passar pela porta a velha loira de cabelos compridos com seus imensos olhos azuis, rebolando dentro de uma longa saia e dizendo que precisava de minha ajuda, minhas glândulas salivares ativaram-se – a idade de uma mulher é impossível de se perceber a olho nu. Entretanto, aquilo era muito preocupante: como eu poderia encontrar Deus, o Criador, o Princípio de Todas as Coisas, o Onisciente, Onipresente e Onipotente?

- O que quer com Deus? Que encontro é este, minha querida?

- Coisa minha... Você pode encontrá-lo pra mim ou não?

- Meu Deus! Sou super-herói, minha querida, não detetive...

- Pago bem!

- Eu topo! Mas aviso que é tarefa difícil, mesmo para um super-homem.

- Sim, mas tenha fé...

- Ok, ok. Pode me dar uma descrição de Deus?

- Não posso, não O conheço.

- Então como sabe que Ele existe?

- Isto nós só saberemos quando você encontrá-lo, queridinho.

- Que beleza, hein! Quer dizer que não sabe nem como é o focinho Dele? Por onde começar então?

- O pastor diz que Ele está em toda parte. No ar, na chuva, nas flores, em você, em mim, talvez até naquelas moscas que sobrevoam o seu copo de café...

- Compreendo – eu disse baixinho olhando para a mosca que usurpava gotículas de café gelado em meu copo plástico. Prometi empenho a 1.000 reais ao dia, mais as despesas e um convite para jantar sensual. Ela sorriu, mas desconversou. Eu fui então encontrar o pastor da igreja dela.

- Como é, senhor padre...

- Pastor, amigo!

- Sim, rabino...

- Deus não gosta de gozações, meu filho.

- E como sabe que Ele existe?

- Ora! Você é burro?! Já viu o meu carro? Como eu poderia comprar aquele carro luxuoso se Deus não existisse? Carro caríssimo! Perdoe-me, mas você é um asno! Não duvide da existência de Deus, meu caro!

- Sim, claro; acalme-se, pastor! Não estou duvidando de nada... Estou em Seu encalço...

- Que quer com Ele?

- Estou O procurando...

- Procure nas Escrituras. Não pense que a Palavra é uma revista de fofoca ou de astros de novela, ali está o sagrado guia para quem quer encontrá-Lo. Glória às alturas e ao Eclesiástico! Glória às alturas!

Não estava dando certo com o pastor, tive que abortar o encontro porque ele tinha que recolher o dízimo para quitar o seguro de seu belo automóvel. Pensei em ir ao Vaticano pedir alguma pista do Chefão ao Papa, mas este é muito ocupado com fumaças alheias; depois quis buscar os ensinamentos à D. Preta, famosa cabocla macumbeira da zona norte da cidade; desisti vencido pelo receio de espíritos, não são bons pagadores... Contudo, resolvi ir interrogar um conhecido mestre da metafísica da Ilha do Governador; porém, este se encontrava gozando férias lá para as terras de Paris, então fui ter com trivial acadêmico das ciências filosóficas, que pelos corredores se encontrava a conversar com as paredes e pilastras.

- Deus é uma lenda, Deus está morto – disse-me o professor repetindo algum gracejo dos bancos acadêmicos. – É tudo conversa fiada. Conto-do-vigário. Kant estava certo, a existência de Deus depende de certos padrões morais...

Estava arrasado. Fracassei, não encontrei Deus e não iria receber meus ordenados de herói glorioso. No entanto, caminhando cabisbaixo pela calçada em meio a estes meus pensamentos pessimistas, surgiu novamente a sensual coroa dos seios fartos. Ela me mandou entrar em sua limusine rosa e fomos a um palacete para os lados da Barra. Não sei se era a casa dela, mas lá transamos. Ela me saldou a pecúnia acordada pelo trabalho e mais algum excedente, disse-me super-herói legitimamente brasileiro e concluiu dizendo:

- Caro super-homem, você venceu! Não fique derrotado. Kierkegaard estava certo sobre o conhecimento e a existência de Deus. O verdadeiro conhecimento depende da nossa fé. E isto, você tem. – A velhota cessou as palavras, pagou-me tudinho num piscar de olhos ainda me aconselhando a não procurá-la, pois sempre haveria chamados. Também mandou que eu não falasse nenhuma coisa sobre ela por aí... E sabes que minha nobreza sobre-humana faz-me cumprir o pacto com a clientela. – Um beijo, meu Juquinha. – despediu-se, por fim.

Nos enredos de aventura sempre há a moral da história, a desta experiência arriscada diz que tudo é mesmo menos complexo do que aparenta e que ninguém, nem mesmo um valoroso super-herói, é capaz de duvidar ou afirmar a existência do Todo-Poderoso – a não ser, claro, a certa remuneração ou favorecimento humano.

No mais, até alguma semana bem próxima, neste mesmo canal literário e neste mesmo horário. Até lá. E, caro leitor e querida leitora, se estiver necessitando de poderoso auxílio ou souber que alguém por aí precisa de socorro heróico, deixe um comentário logo aí abaixo me explicando o caso que tão-logo estarei em tua cidade, bairro, aposento ou outro local apropriado aos benefícios bem saboreados do corpo e da d’alma.

* Continua no dia 02 de março. Não perca!