1
Caminho em silêncio, guiado pela luz do cigarro.
Meus passos iluminam as coisas: um poste, a calçada, um gato.
A solidão que me acompanha reclama do frio.
Eu insisto que é verão.
Discutimos.
Mas não há quem nos separe.
2
O destino se intromete e transforma as coisas:
— o teu em nosso
— o nosso em meu
— o meu em vosso.
Aí eu pergunto:
— Posso?
3
Troquei o sorriso pela felicidade.
E a felicidade era tanta que eu precisei sorrir.
Mas já não havia como.
4
O passado volta e meia se faz presente:
— aparece no supermercado
— sorri com dentes antigos no metrô
— acena com a mão de um velho amigo
— surge cinzento bem no meio de uma tarde colorida
O futuro em nada se diferencia. A não ser, talvez, pelo ponto de vista.
5
A minha mãe vem da morte pra me visitar.
Diz que estou magro
que só engordo palavras
solitário demais neste mundo que se faz a dois
que sabe dos meus cigarros
e que lamenta as minhas garrafas.
Essa aí a minha mãe, que ocupa a sua morte com a minha vida.