6 de abr. de 2010

'Mulheres' - parte 08

Por Claudio Parreira


A MULHER PERFEITA


— UM PAR DE COXAS BEM ROBUSTAS — pede o freguês ao açougueiro.

— Pois não, senhor. Algo mais?

— As pernas, como estão as pernas?

— Frescas e depiladas. Foram abatidas ainda esta manhã.

— Bom, quero duas também. E pés, o senhor tem pés?

— Os meus são 44!

— Não me referi aos seus, imbecil. Quero pés delicados, piquininhos, número 32.

— Ah, claro, mas 32 não tem.

— Quiéqui tem?

— 30, 36, 37, 42.

— 42?

— É.

— Como vieram parar aqui?

— Não sei, senhor. A ética não me permite questionar a procedência dos meus produtos. Só posso lhe garantir que são de primeira. Vai 42?

— Me dá o 30 mesmo. Estão mais de acordo com os meus propósitos.

— Aqui está: um par de 30. Nádegas?

— Tem aquelas parecidas com um pêssego?

— Tem sim. Com pelinhos macios e tudo.

— Então eu quero, mas quero a peça completa.

— Nádegas e vagina?

— Bunda e buça!

— Aí já é mais caro.

— Tem?

— Tem.

— Então me dá, porra! Não estou discutindo preço.

— O senhor quer a vagina apertadinha ou largona?

— Tem virgem?

— Tá em falta. Mas tenho umas apertadinhas que são quase.

— Uma dessas serve.

— Barriguinha? Tenho umas, ó, daqui...

— Quero uma sem marcas, umbiguinho redondinho piquininho.

— Tenho uma que nasceu pro senhor. Que tal?

— Ótima, ótima, levo essa. E peitos? O que é que tem aí?

— Tem de tudo: grandes, pequenos, médios, duros, moles, com leite, siliconados... Só não trabalho com os despencados, porque eles encalham e espantam a freguesia. O senhor pode escolher.

— Ah... bão, quero médios, duros — e com leite!

— Com leite, senhor? Não acha que já passou da idade?

— Isso não é da sua conta!

— Perdão, perdão. Não queria ofendê-lo. Como diz o ditado: o freguês tem sempre et cetera, não é mesmo? Vai querer braços?

— Não quero ninguém me segurando. Sou um homem livre.

— Então só falta a cabeça, não é?

— Deus me livre! Quer estragar a minha mulher perfeita com uma cabeça pensante e falante?

— Tenho aqui uma cabeça muda e bem burrinha. Que tal?

— Ela é cega também?

— Tem uns belos olhos verdes, mas a gente pode dar um jeito.

— A boca, pelo menos, é bonita?

— Ouvi dizer que a língua dela era uma sensação.

— Eu quero!

— Aqui está. Mais alguma coisa?

— Não. É o suficiente para a semana. Quanto é?

— 500 paus.

— 500?

— Material de primeira, senhor. Nada igual no mercado.

— Entrega em casa?

— Como o senhor preferir. Já quer ela montada?

— Prontinha pra comer.

— Assim será.

— Gostei daqui. Vou virar freguês.

— Será um prazer, senhor.

— O prazer será todo meu...


A MÃO


A MESMA COISA. Seis e meia, levantar, o café, o cigarro, o banho, a gravata. Sete horas, o ônibus, o sono. Oito horas, o escritório, a rotina. O Sono.

Eu digito das oito às seis, vinte minutos para o almoço. As vinte pessoas à minha volta também. O dia inteiro, todo dia. Quilômetros de papel, cartas, relatórios. A mesma coisa.

A mesma coisa, até o dia em que uma digitadora quebrou a mão direita num acidente doméstico. Não ficasse boa em dois dias estaria na rua. Pobre menina.

Pobre de mim: no mesmo dia recebi a proposta:

— Que tal ceder sua mão?

— Não — eu respondi, e continuei a digitar.

— Mas você é tão rápido! Não vai fazer diferença.

— Já disse que não.

À noite, em casa. O macarrão instantâneo, as salsichas, a televisão. A mesma coisa. Meia-noite, o sono. Seis e meia. Oito. Sono.

— Pelamordedeus! Se amanhã eu não estiver com a mão boa eles me mandam embora — ela disse.

— E eu com isso?

— Seja humano, porra!

— Isso não é ser humano, é ser idiota.

— Vai se foder!

Quilômetros de cartas, papel, relatórios. A mesma coisa.

À noite, em casa. O macarrão instantâneo, as salsichas, a televisão. A campainha da porta.

— Já falei que não — eu disse.

— Mas olha: minha mão vai cair e amanhã é o último dia.

— Problema seu.

— Gosta do meu corpo?

— Não.

— Eu faço o que você quiser.

Oito horas. O escritório, a rotina. O sono.

— Estou pronta.

— Pra quê?

— Pra quê? Você prometeu ontem!

— Ontem. Hoje não prometi nada.

— Filho da puta!

O chefe do escritório. Um machado na mão direita.

— Promessa é divida — ele falou.

— Não prometi nada, ela deu porque quis.

— Quis nada! — ela falou.

— Estica a mão — o chefe mandou. Eu estiquei.

À noite, em casa, a mesma coisa.