Por Claudio Parreira
A MULHER PERFEITA
— UM PAR DE COXAS BEM ROBUSTAS — pede o freguês ao açougueiro.
— Pois não, senhor. Algo mais?
— As pernas, como estão as pernas?
— Frescas e depiladas. Foram abatidas ainda esta manhã.
— Bom, quero duas também. E pés, o senhor tem pés?
— Os meus são 44!
— Não me referi aos seus, imbecil. Quero pés delicados, piquininhos, número 32.
— Ah, claro, mas 32 não tem.
— Quiéqui tem?
— 30, 36, 37, 42.
— 42?
— É.
— Como vieram parar aqui?
— Não sei, senhor. A ética não me permite questionar a procedência dos meus produtos. Só posso lhe garantir que são de primeira. Vai 42?
— Me dá o 30 mesmo. Estão mais de acordo com os meus propósitos.
— Aqui está: um par de 30. Nádegas?
— Tem aquelas parecidas com um pêssego?
— Tem sim. Com pelinhos macios e tudo.
— Então eu quero, mas quero a peça completa.
— Nádegas e vagina?
— Bunda e buça!
— Aí já é mais caro.
— Tem?
— Tem.
— Então me dá, porra! Não estou discutindo preço.
— O senhor quer a vagina apertadinha ou largona?
— Tem virgem?
— Tá em falta. Mas tenho umas apertadinhas que são quase.
— Uma dessas serve.
— Barriguinha? Tenho umas, ó, daqui...
— Quero uma sem marcas, umbiguinho redondinho piquininho.
— Tenho uma que nasceu pro senhor. Que tal?
— Ótima, ótima, levo essa. E peitos? O que é que tem aí?
— Tem de tudo: grandes, pequenos, médios, duros, moles, com leite, siliconados... Só não trabalho com os despencados, porque eles encalham e espantam a freguesia. O senhor pode escolher.
— Ah... bão, quero médios, duros — e com leite!
— Com leite, senhor? Não acha que já passou da idade?
— Isso não é da sua conta!
— Perdão, perdão. Não queria ofendê-lo. Como diz o ditado: o freguês tem sempre et cetera, não é mesmo? Vai querer braços?
— Não quero ninguém me segurando. Sou um homem livre.
— Então só falta a cabeça, não é?
— Deus me livre! Quer estragar a minha mulher perfeita com uma cabeça pensante e falante?
— Tenho aqui uma cabeça muda e bem burrinha. Que tal?
— Ela é cega também?
— Tem uns belos olhos verdes, mas a gente pode dar um jeito.
— A boca, pelo menos, é bonita?
— Ouvi dizer que a língua dela era uma sensação.
— Eu quero!
— Aqui está. Mais alguma coisa?
— Não. É o suficiente para a semana. Quanto é?
— 500 paus.
— 500?
— Material de primeira, senhor. Nada igual no mercado.
— Entrega em casa?
— Como o senhor preferir. Já quer ela montada?
— Prontinha pra comer.
— Assim será.
— Gostei daqui. Vou virar freguês.
— Será um prazer, senhor.
— O prazer será todo meu...
A MÃO
A MESMA COISA. Seis e meia, levantar, o café, o cigarro, o banho, a gravata. Sete horas, o ônibus, o sono. Oito horas, o escritório, a rotina. O Sono.
Eu digito das oito às seis, vinte minutos para o almoço. As vinte pessoas à minha volta também. O dia inteiro, todo dia. Quilômetros de papel, cartas, relatórios. A mesma coisa.
A mesma coisa, até o dia em que uma digitadora quebrou a mão direita num acidente doméstico. Não ficasse boa em dois dias estaria na rua. Pobre menina.
Pobre de mim: no mesmo dia recebi a proposta:
— Que tal ceder sua mão?
— Não — eu respondi, e continuei a digitar.
— Mas você é tão rápido! Não vai fazer diferença.
— Já disse que não.
À noite, em casa. O macarrão instantâneo, as salsichas, a televisão. A mesma coisa. Meia-noite, o sono. Seis e meia. Oito. Sono.
— Pelamordedeus! Se amanhã eu não estiver com a mão boa eles me mandam embora — ela disse.
— E eu com isso?
— Seja humano, porra!
— Isso não é ser humano, é ser idiota.
— Vai se foder!
Quilômetros de cartas, papel, relatórios. A mesma coisa.
À noite, em casa. O macarrão instantâneo, as salsichas, a televisão. A campainha da porta.
— Já falei que não — eu disse.
— Mas olha: minha mão vai cair e amanhã é o último dia.
— Problema seu.
— Gosta do meu corpo?
— Não.
— Eu faço o que você quiser.
Oito horas. O escritório, a rotina. O sono.
— Estou pronta.
— Pra quê?
— Pra quê? Você prometeu ontem!
— Ontem. Hoje não prometi nada.
— Filho da puta!
O chefe do escritório. Um machado na mão direita.
— Promessa é divida — ele falou.
— Não prometi nada, ela deu porque quis.
— Quis nada! — ela falou.
— Estica a mão — o chefe mandou. Eu estiquei.
À noite, em casa, a mesma coisa.